Reflexões de Frei Patricio Sciadini, ocd *
Hoje assistimos a um silêncio que oprime e que deve ser rompido com a coragem profética para que a cadeia das injustiças institucionalizadas não continue a silenciar milhões de pessoas que gritam no deserto.
Este silêncio de morte que vemos por ai desde o silêncio do medo que a máfia de todas as matizes espalham ao seu redor e o “não sei não vi, não escutei”, ao silêncio dos trabalhadores que diante de salários injustos não podem reclamar pelo medo de ficar sem trabalho e ter uma vida pior. Do silêncio das crianças abortadas que não podem nem gritar e nem defender-se ao silêncio dos presos e torturados que devem calar para que outros não sofram injustamente. Estes silêncios invadem os meios de comunicação que, a serviço de poderosos, falsificam a verdade e se colocam do lado do poder para ter cada vez mais um posto mais alto.
Há o silêncio do diabo que está ao lado dos justos e dos santos e com sua presença silenciosa invade o temor e insegurança, gerando o medo coletivo. Não é este o silêncio que deve ser mantido. Este silêncio deve ser rompido para que a voz da verdade possa ser ouvida em todos os lados e que nasça no coração das pessoas o silêncio da esperança que está para nascer. O silêncio é útero da sabedoria a verdade. É no mais profundo de si mesmo que o ser humano necessita descer não para escutar a si mesmo, as suas lamúrias e fracassos ou sonhos idealizados, mas sim para escutar a voz de Deus que o chama a assumir corajosamente a sua identidade de pessoa de cristão sem ter medo de nada e de ninguém.
O Papa, na sua catequese sobre o silêncio, nos recorda citando Santo Agostinho, “que na medida que o Verbo crescer, a palavra do homem diminui”. Aliás diante de Cristo verdade caminho e vida somente tem espaço para o silêncio. O caminho que deve ser percorrido é fugir do “barulho”, seja qual for, quer seja visivo com as imagens que as TV, internet e outros meios jogam com abundância dentro de nós e que nos impedem de refletir, de avaliar, não nos dão o tempo de avaliar os fatos porque quando você começa a pensar é outra imagem que vem e leva longe a primeira. O barulho auditivo que nos persegue todos os dias e sentimos que sempre mais é necessário gritar mais forte para que possa ouvir o barulho distante do outro, mas não escutá-lo.
É um burburinho que chega até nós, sons convulsivos, mas não inteligíveis. São músicas, são palavras que impedem o ser humano de saber “escutar-se e escutar aos demais”; recuperar o silêncio exterior é fundamental. Criar pelo menos uma vez por semana um “oásis de silêncio exterior”, onde possamos permanecer “a sós” duas ou três horas para ouvir a doce brisa que chega até nós e na qual o Deus da vida está escondido( 1 Rs 19, 12) Quando o silêncio é fuga se torna não comunicação, nervosismo, mal estar e espalha ao seu redor um clima de desconfiança e de tristeza.
Quando o silêncio é comunicação é como o perfume que faz sentir sua presença embora não seja palpável. É neste silêncio que devemos entrar novamente para compreender o que diz o místico João da Cruz “Uma palavra falou o Pai, que foi seu Filho, e a fala sempre em eterno silêncio e, em silêncio, há de ser ouvida pela alma.” Os místicos não são pessoas anti-sociais, mas exemplos de comunicação. Cada palavra que eles pronunciam é palavra de vida, de esperança, de alegria e de amor. E quando a palavra “é como espada a dois gumes que penetra até o miolo dos ossos” é para que seja operadora de conversão e de salvação. Somente quando o ser humano redescobrir a necessidade do silêncio para se medir consigo, com os outros e com Deus, saberá que a força do testemunho não é palavra, mas o silêncio, o doce silêncio. Dando a palavra ainda a João da Cruz:
A noite sossegada, Quase aos levantes do raiar da aurora; A música calada, A solidão sonora, A ceia que recreia e que enamora.(C 15)
É o momento de praticar o que Jesus nos ensina se queremos rezar, falar com Deus e escutar seu Filho bem amado: “desce em você, fecha a porta e fala ao Pai.” (Mt 6).
* [Frei Patrício Sciadini, ocd, religioso, Carmelita Descalço; escreveu mais de 60 livros, publicados no Brasil e no exterior e atualmente é o delegado geral no Egito]
Fonte: ZENIT.org
SAV - Equipe
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